Conheci a história de Mary, a Rainha da Escócia, a partir do seriado Reign. Bastaram alguns episódios para que eu ficasse encantada com essa figura política tão pouco conhecida no Brasil, procurei filmes, documentários e livros, mas não encontrei nenhuma biografia. A última publicação da obra de Stefan Zweig sobre Maria Stuart no Brasil era datada de 1956, difícil de encontrar até em sebos, mas graças ao filme Duas Rainhas, que trata da relação conturbada de Mary e Elizabeth, a José Olympio lançou uma nova edição da biografia de Maria Stuart. A obra de Stefan trata da vida de Maria desde o nascimento até a sentença de morte, uma história conturbada e repleta de reviravoltas, tão grandiosa que parece ficção.
Maria foi declarada rainha logo nos primeiros dias de vida. A Escócia enfrentava um confronto permanente com a Inglaterra, que reivindicava seu território, para piorar a Escócia era berço dos católicos, enquanto a Inglaterra representava os protestantes, para sua segurança foi mandada logo cedo para ser criada na França junto com a família materna. Maria foi prometida para o príncipe Francis, Delfim da França, filho de Henrique II e Catarina de Médici, logo na infância, cresceu debaixo dos luxos da corte francesa, acostumada a ser admirada pela beleza e inteligência.
“Não importa o que a partir dessa hora tenha sido dito e escrito pelas duas. É preciso disfarce e floreio verbal para encobrir a hostilidade, mas a fissura permanece para sempre. Meias palavras e desonestidades na política sempre causam mais mal do que decisões claras e energéticas. A coroa inglesa pintada simbolicamente no brasão de Maria Stuart causou mais derramamento de sangue do que uma verdadeira guerra pela coroa. ”
Maria era considerada a legítima herdeira do trono inglês, por parte dos católicos ingleses e dos opositores de Ellizabeth, vista como filha bastarda por conta da separação de Henrique VII e Ana Bolena. Os franceses logo viram na menina uma oportunidade de adquirir poderio de mais uma coroa e trataram logo de casá-la com Francis. Tudo seria diferente se o Delfim não fosse um jovem enfermiço, Maria se viu viúva logo após o casamento, como Francis não tinha deixado herdeiro, foi logo chutada de volta para a Escócia. De volta ao seu país Maria precisa lidar com a realidade dura e pobre da Escócia. Também precisa enfrentar a hostilidade inglesa, principalmente da parte de Elizabeth, que a vê como um perigo.
Maria se casou outra vez e de seu novo casamento veio sua ruína. Acusada de bolar o assassinato de Lorde Darnley, seu marido, com a ajuda de Jaime Hepburn, Maria caiu em desgraça, perdeu sua coroa e foi obrigada a pedir asilo a sua prima, Elizabeth. Maria passou depois o resto de sua vida, para ser mais exata dezoito anos, presa em diversos castelos da Inglaterra até ser sentenciada à morte por conspiração. Maria foi decapitada aos 44 anos, após julgamento, acusada de planejar a morte de Elizabeth. Mais tarde seu filho, Jaime I, seria o sucessor da coroa inglesa.
A vida de Maria é repleta de controvérsias, sendo uma figura idolatrada por uns e vista como maquiavélica por outros. Documentos e relatos, mesmos que abundantes, ainda deixam muito dessa história encoberta. Mas apesar dos pesares, a vida de Maria é uma grande tragédia shakespeariana, e de nada ajuda a presença de Elizabeth nos capítulos de sua vida. É impossível falar de uma e deixar de lado a outra. Maria viveu junto de grandes figuras políticas, foi rainha de dois países, poderia até ter sido rainha da Inglaterra, tudo que a cerca é pomposo, grandioso, mas senti falta de alguma coisa na biografia de Stefan Zweig. O livro não chega a ser ruim, até porque a vida dessa mulher impede isso.
O maior problema, para mim, talvez seja o fato de Zweig ser um homem de seu tempo. Senti grande incomodo ao ver a vida de duas mulheres tão icônicas como Elizabeth e Maria reduzidas a figuras histéricas, caricatas, desesperadas por amor e filhos. O livro me soava machista em muitos momentos. Mas como disse antes, Zweig é um homem de seu tempo, ele nasceu no final do século XIX e viveu até 1942. Em alguns momentos ele chega a dizer que a disputa entre as rainhas da Inglaterra e Escócia não produz situações gloriosas, mas uma batalha repulsiva e desonrada, comum à mulheres.
“Elizabeth formou a felicidade de seu país. Todo o seu egoísmo, toda a sua paixão pelo poder, aquela mulher sem filhos e sem homens transformou no nacional; ser grande na posterioridade, a partir da grandeza da Inglaterra, era a mais nobre das suas atividades, e só para essa futura Inglaterra maior ela realmente viveu. Nenhuma outra coroa a atraía (enquanto Maria Stuart, entusiasmada, teria trocado a sua por qualquer outra melhor), e enquanto aquela ardia grandiosa no presente, ela, a econômica, e de ampla visão, dedicou toda a sua força ao futuro da sua nação. ”
A visão da mulher, principalmente a mulher em posição de poder, como uma criatura mesquinha, dissimulada, traiçoeira é bem comum. Repare no trecho: “(…) apesar de seu formato extraordinário, essas duas mulheres permanecem mulheres, não conseguem superar a fragilidade de seu sexo, de sempre resolver inimizades de maneira mesquinha e traiçoeira”, é por causa de passagens assim que fui incapaz de curtir plenamente a minha leitura.
O autor chega inclusive a compará-las a homens em situação igual de poder. Diversas vezes suas escolhas são diminuídas a meros erros femininos. Mas a biografia de Maria Stuart escrita por Stefan Zweig é ainda a única publicada em nosso país. Ela não deixa de ser bem escrita, bem embasada, é apenas nos comentários à parte do autor, e no seu juízo de valor, que ela incomoda.
Não deixa de ser uma leitura recomendada e válida, ainda mais se você se interessa por história ou se encantou com o filme recente. Ficarei no aguardo da publicação de uma nova biografia, dessa vez a escrita por Antonia Fraser, gostei muito do trabalho da autora na biografia de Maria Antonieta (utilizada como base para o filme de Sofia Coppola), talvez a visão de uma mulher sobre a vida de Maria Stuart me agrade mais, quem sabe?
Uau parece ficção mesmo, ser acusada de conspiração, ficar presa dezoito anos e morrer decapitada… que sequência trágica. Só de ler os trechos que você destacou eu entendi perfeitamente seu desconforto com os valores que o autor passa sobre as duas mulheres, mas também é verdade que naquela época era essa a mentalidade, que ainda não mudou muito mas a luta avançou bastante e também espero que a tradução feita por uma mulher vai dar outro parâmetros a essas pontuações. Me interessei pela leitura, fico grata pela dica
Mesmo não sendo um gênero que leia muito, adoro descobrir coisas novas, ainda mais na literatura. Ainda mais se isso for apresentado desta forma tão gostosa, trazendo história real!
Vou caçar o filme também! rs
Não sou muito a favor disso de comparações, mas com certeza deve haver algum motivo para que isso tenha acontecido.
Se tiver oportunidade, quero sim, poder conferir.
Beijo
Me desculpe, mas Mary Stuart não é um figura histórica pouco conhecida no Brasil.
Eu comecei a ver Reign, mas era tanta imprecisão histórica que eu abandonei a série em dúvida de por que não fizeram um reino fictício para abrigar as alterações dos roteiristas.
Nunca fui fã de biografias, ainda mais de reis e rainhas porque a verdade é que eles não tiveram a vida de alegria que os filmes da Disney mostram
Olá! Sou apaixonada pela história dos monarcas, principalmente os dessa época, marcada por tantas intrigas e incertezas, pois há tantas teorias sobre as vidas deles, uma pena mesmo que no Brasil não tenhamos disponíveis muitos livros sobre esse período.
Oiee!
Não conhecia o livro, basicamente tudo o que sei é que tem uma série baseada no mesmo. Apesar de gostar de biografias, essa em si não me interessou, não é uma pessoa que tenho aquela curiosa para conhecer mais a fundo, então não pretendo ler.
Bjokas!
Oi, Beatriz
Ainda não conhecia sobre a história de Maria, oh vida sofrida hein, 2 maridos, viúva e perder a coroa e ainda pedir asilo para a parente inimiga.
Espero poder ler o livro, mas o outro escrito pela visão de uma mulher possa trazer outros fatos, quem sabe.
Não vi a série, mas tenho muita vontade em começar assistir.
Beijos