Uma das coisas mais “engraçadas” do meu dia a dia enquanto leitora é quando eu me deparo com alguém que não gosta de ler. Existe sempre um comentário sobre a minha estante e, logo em seguida, a pessoa tenta criar algum tipo de justificativa para explicar o fato de que ela não lê tanto quanto eu, ou simplesmente não consegue se conectar com os livros como eu me conecto. Alguns dizem que não tem tanto tempo assim para ler – minha mãe, inclusive, ou que eles até tentam começar alguma coisa, mas uma nova série que a Netflix acabou de lançar sempre acaba atrapalhando.
O mesmo acontece quando eu encontro alguém que gosta muito de ler – inclusive, por muito tempo, este foi um hábito meu. Sempre que a gente chega na parte de compartilhar o que gostamos de ler, é quase que um impulso natural querer justificar porque você gosta daquele gênero ou daquele livro. Eu aposto que aconteceu muito com os leitores de 50 Tons de Cinza, Crepúsculo e aconteceu muito comigo quando me perguntavam o que eu achava de Harry Potter, sendo que eu não li os livros até hoje. Falando por mim, era como se ler Harry Potter fosse uma obrigação e o fato de eu não ter lido ou não ter o interesse em ler fosse me definir de uma maneira negativa – maior bobagem, não é mesmo?
Os dois cenários criam a ideia de que ler é um passatempo de valor moral indispensável. Existe toda uma percepção elitista em cima de leitura, como se esta atividade específica aumentasse o seu valor social, te tornando alguém mais inteligente e, automaticamente, uma pessoa melhor. E por mais que tentemos negar, essa visão é mantida por todos nós, leitores e não-leitores. Quem nunca se sentiu constrangido por não ler tanto quanto alguém? Ou por não ser tão inclinado aos clássicos como Anna Karenina e Machado de Assis? Ou por gostar de ler quadrinhos, romances eróticos e até mesmo os romances YA que tanto já foram criticados pela “elite literária”? Eu já, e sei que você também.
E isso não é algo novo, se vocês querem saber. Se formos analisar historicamente, as próprias bibliotecas foram construídas em cima da ideia de “melhorar” os cidadãos, um lugar onde você encontrava educação e auto-aperfeiçoamento. Vale ressaltar que, durante o século 19, esse tipo de leitura era muito específica e em sua maior parte, livros de filosofia, matemática etc. Livros de ficção, por exemplo, eram considerados leituras inferiores, que não contribuíam de nenhuma forma para a formação ou evolução de um individuo.
É claro que, com a entrada do mundo no século 21, as visões sobre o universo literário foram mudando e a sociedade foi reconstruindo seus conceitos sobre os livros. Inclusive, programas de leitura patrocinados por governos como os da Austrália e do EUA desempenharam um papel interessante no incentivo a leitura. Hoje, no mundo todo, existem diversos eventos literários que reúnem todo o tipo de gênero, como a Bienal do Livro aqui no Brasil, que mesmo sem perceber ajudam a reforçar a ideia de que a leitura é algo bom.
Hoje, da mesma forma que os clubes de leitura de ficção deveriam ser desprezados no século 19, nós criamos debates sobre gêneros que são melhores que os outros, ou leituras que são muito mais valiosas que outras. Ou vocês se esqueceram daquela thread da TAG Livros sobre literatura jovem-adulta? Eu nunca me esqueci. Existe todo um discurso no mercado literário atual que diz que existe muito mais valor em um livro bestseller do NY Times do que em um livro autopublicado na Amazon.
E eu não vou nem entrar no mérito dos romances e seus subgêneros, porque eu escrevi um post apenas sobre isso.
Agora me digam: isso realmente importa? Eu tive um professor de literatura, André, que costumava dizer que todo o tipo de leitura é válida. Não importa se você está lendo quadrinhos, encarte de supermercado ou o resumo da novela das 18h no site da Globo. A leitura é uma ótima maneira para você aprender algo novo, escapar da sua realidade e deixar a sua imaginação tomar conta.
Não existe nada de ruim em ler e, por mais que eu precise concordar com a elite literária neste ponto, exite algo nos livros que realmente contribuem para que nos tornemos seres humanos melhores de alguma forma. Ou pelo menos escritores e comunicadores melhores, não é mesmo?
Mas honestamente? Eu não me importo se as pessoas não gostam de ler ou não leem tanto quanto eu. Ler, pelo menos no meu caso, é algo que eu faço por prazer, apesar de eu ter o blog e fazer resenhas e algumas vezes eu ter que ler alguns livros que eu nem estava tão afim assim. E se eu classifico ler como uma atividade prazerosa, um hobbie, porque eu iria julgar alguém que não gosta de ler? É o mesmo que ser julgada pelas pessoas que gostam de acampar e fazer trilhas, quando eu detesto.
E por falar em acampar, eu não me dou o trabalho de ficar defendendo por A mais B os meus motivos por não sentir prazer em não dormir em um lugar confortável, assim como muitos de vocês não ficam justificando porque não jogam vídeo game ou vão para a balada todo final de semana. Então porque a leitura precisa ser diferente?
O mesmo se aplica as pessoas que gostam de ler, no caso, todo mundo que está lendo isso – eu espero. Não faz a menor diferença se você lê livros de autoajuda ou grandes clássicos da literatura, ou se você prefere os romances eróticos ou os livros de época, como eu. A verdade é que o importante mesmo neste caso é que você se sinta muito bem lendo o seu livro e que tenha uma experiencia valiosa, aprendendo alguma coisa com aquele enredo, mesmo que ele não seja tão bom quanto você esperava.
Vocês sempre vão poder contar com a minha opinião honesta sobre um livro, se for isso o que vocês quiserem, mas eu não me importo se você leu todos os clássicos da literatura nacional, ou todos os vencedores do prêmio nobel de literatura porque isso não te torna melhor do que alguém que lê apenas romances, ou thrillers ou qualquer outro gênero um pouco mais popular.
Leiam o que vocês quiserem, ou não leiam. Escutem o audiobook, ou vejam a adaptação nos cinemas. A leitura é algo que mudou muito ao longo dos séculos, abraçando novos gêneros e nos levando para universos e aventuras que jamais imaginaríamos possíveis. Não vamos nos limitar ao elitismo por conta de uma ideia estúpida sobre o que é “literatura”. Leia apenas se ler for algo que te da prazer, e por nenhum outro motivo.
Este post foi inspirado em You do You: In defense of non-readers and reading what you want publicado no site Book Riot, contendo trechos traduzidos do texto original.