O tema do #SOSELIT este mês propõe um tema que já é muito discutido aqui no blog, e uma tecla na qual eu vou bater enquanto eu achar que isso é um problema: romantização de relacionamento abusivo na literatura. E isso não poderia ter vindo em um momento melhor porque, justamente esse mês, eu terminei de ler mais um “romance”, onde a personagem principal sofre diversos abusos durante os capítulos, mas a história é vendida como um romance e aplaudida pelos leitores. Vocês conseguem enxergar onde está o erro nessa situação toda?!
Eu sempre fui uma grande apaixonada por uma boa história de amor,, não importando o gênero. Mas a minha visão sobre o que se caracteriza um bom romance veio mudando muito de uns anos para cá, principalmente depois que eu comecei a ter um contato maior com o movimento feminista e a me conscientizar de que certos comportamentos não são muito normais. Com isso, meu gosto literário foi mudando bastante e, alguns livros que antes eram um dos meus favoritos, hoje me deixam enjoada apenas de lembrar que um dia eu achei aquilo a oitava maravilha do mundo.
Mas hoje eu não estou aqui para fazer outra crítica a Princesa de Papel e nem para lembrar a vocês que o relacionamento da Abby e do Travis, de Belo Desastre, é abusivo. Na verdade, eu queria conversar com vocês sobre consciência literária e porque eu simplesmente não consigo me calar quando eu me deparo com um enredo que é completamente fora daquilo que eu considero um romance saudável dentro da literatura. Até onde vai a nossa responsabilidade quando damos cinco estrelas para um livro que, claramente, romantiza um relacionamento abusivo?
Eu sei que muitos de vocês ainda não pararam para pensar nisso. Sei disso porque Belo Desastre, Princesa de Papel e, a minha última leitura decepcionante, Atraída por um Highlander, são livros que retratam relacionamentos abusivos e que possuem avaliações acima de quatro estrelas no Skoob. E não, eu não estou aqui para apontar o dedo ou culpar alguém, mas eu queria entender como vocês se sentem quando entram em contato com esse tipo de enredo. Esses relacionamentos são realmente algo que vocês desejariam viver na vida real?!
Não sei se o tempo começou a me fazer questionar certas coisas, ou se foi o grupo de pessoas que começaram a fazer parte da minha vida, mas alguma coisa mudou na minha visão de leitora, sabe? Eu não tenho vergonha de admitir que livros como Belo Desastre já passaram na minha mão como a melhor coisa do mundo, mas depois de sentir na pele o que é um relacionamento abusivo, eu simplesmente não consigo deixar passar um romance que, não é exatamente um romance. Estaria eu, me tornando uma crítica muito chata de enredos?! Me digam vocês.
Não consigo deixar de pensar que, pelo menos enquanto blogueira literária, é meio que a minha obrigação alertar os meus leitores sobre esses pequenos gatilhos nos livros. Por mais que eu seja a favor da liberdade dos enredos, existe uma parte em mim que não consegue compactuar com a visão romântica de certos autores. E não é nada contra eles, porque eu também acredito que cada um escreve o romance que deseja viver, mas eu não acho que seja “legal”, a gente vender a ideia de um relacionamento onde a mulher é constantemente humilhada e abusada pelo nosso suposto herói.
E eu tenho que confessar que eu queria essa mesma consciência por parte das editoras. Eu sei que New Adult é um gênero romântico que esvazia as prateleiras da Saraiva muito rápido, mas por mais que isso seja ignorado, as editoras têm que admitir que precisa existir um bom senso. Uma mesma editora que publica livros feministas, não pode ser a mesma editora que coloca na mão de adolescentes livros que fazem apologia a relacionamentos abusivos. E ponto. Onde está as regras do politicamente correto que vocês cobram da televisão e outras mídias, quando se trata das editoras?!
Nós fazemos muito barulho quando vemos uma cena de estupro em séries como Game of Trones. Berramos no Twitter, criamos hashtags e #somostodosalguém quando o assunto é a televisão. Porque o mesmo não acontece com a literatura? Até hoje eu não vi ninguém levantando a questão do estupro totalmente desnecessário na série Os Irmãos McCabe, da Maya Banks. Ninguém fez textão no twitter porque Travis Maddox agrediu uma pessoa que deu um sorriso simpático para a Abbi e, eu não vejo ninguém problematizando o slut-shaming de Princesa de Papel.
Não é muito difícil a gente perceber que existe um certo “passe livre” para o errado quando se trata de publicações editoriais. Outro dia mesmo eu estava vendo em um grupo do whatsapp, algumas blogueiras tentando justificar o comportamento dos personagens de Princesa de Papel quando todo mundo sabe que não existe motivo no mundo que justifique um homem ameaçar a integridade física de uma mulher simplesmente porque ele pode fazer isso. E então eu me pergunto: Como vocês conseguem fazer textão sobre a Clara apanhando do Gael na novela das 21hrs, mas são totalmente compreensivos quando o herói do livro humilha e agride verbalmente a personagem principal com a desculpa de uma paixão reprimida?!
Eu não acredito que exista justificativa para que a gente coloque nas prateleiras romances que incentivam nossos leitores a acreditar que, quanto mais o homem te maltrata, mais apaixonado por você ele está. Mas essa nossa realidade não vai mudar enquanto a maior parte dos leitores ficar dando cinco estrelas para livros como Belo Desastre, Princesa de Papel, Atraída por um Highlander – e toda a série dos Irmãos McCabe. É preciso criar uma problematização muito maior com esses tipos de enredo, até que autores e editoras entendam que existe formas muito mais bonitas e saudáveis de se escrever uma história de amor.
Não sei se temos espaço para isso ainda, mas gostaria de deixar aqui o meu pedido aos leitores do blog e aos meus amigos blogueiros: não compactuem com enredos que retratam relacionamentos abusivos como algo positivo, por favor. Eu acredito que os blogs literários tenham um poder muito grande para ajudar a melhorar essa nossa realidade literária e, enquanto alguns blogs continuarem achando esses enredos a coisa mais maravilhosa do mundo, nada vai mudar. Nós precisamos ter consciência de que o é retratado nos livros influência muito o que vamos buscar na vida real e que, por isso, não podemos deixar esse tipo de enredo passar batido, por mais maravilhoso que ele seja.
Eu realmente espero que esse texto tenha ajudado, de alguma forma, a vocês entenderem como é grave dar uma nota de cinco estrelas para um livro romântico abusivo. E eu realmente espero que, daqui em diante, todo mundo tenha um olhar um pouco mais crítico quando se trata de romances. É preciso falar sobre isso, é preciso fazer textão e problematizar. A literatura também precisa de um ambiente saudável onde abusadores não passarão e isso começa aqui, com a gente.